Edição de 05-03-2009
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SECÇÃO: Opinião

Educação: lógica, complô ou falência?

Quando se fala na Educação em Portugal, algo não faz sentido. Todos exaltam o benefício da Educação e apontam-na como a solução dos nossos problemas. Todos parecem empenhados na sua melhoria. Porém...

Apesar desse consenso e da boa vontade, as nossas escolas são más na generalidade, os nossos professores patinam no ensino e a qualidade da educação só tem decaído. Para explicar essa curiosa dissonância, era comum ouvir, há dez anos atrás, a ideia de que o nosso fracasso na área se devia à falta de “vontade política” dos nossos governantes, ou ainda ao complô das elites pela alienação do proletariado, ou, finalmente, às imposições económicas, que supostamente exigiam o corte de gastos na educação em benefício do país.

Nunca ouvi maiores disparates sem nexo.

Daí para cá, os dotados de “vontade política” chegaram ao poder, as elites de antanho deram lugar à república dos sindicalistas e Portugal já não precisa mais dos exemplos externos. Mas a melhoria esperada não chegou. O resultado do Sistema de Avaliação da Educação é o que se sabe. Apesar disso, o discurso da área educacional continua o mesmo. Será que eles estão certos, e que há um complô tão poderoso a favor da ignorância que nem os próprios actores da nossa tragédia percebem a sua insignificância? Estarão as “forças ocultas” do antigamente rondando novamente os palácios, de onde talvez jamais tenham saído? Ou será que o nosso atrás o é mais compreensível à luz de uma análise racional dos envolvidos na área, presumindo-se que eles agem de maneira lógica e maldosa? Creio que a segunda hipótese é a mais provável: a nossa inércia é compreensível se entendemos a economia política dos grupos envolvidos.

Comecemos pelos alunos. Eles aprendem muito pouco, e são os maiores interessados no seu próprio sucesso académico. Por que não protestam? Há, em primeiro lugar, a questão etária: não é possível imaginar que crianças de 10 ou 12 anos se mobilizem numa passeata pública por um ensino de melhor qualidade. Quando os alunos se dão conta das deficiências do seu ensino, costuma já ser tarde demais, e a própria carência educacional dificulta a reclamação: é improvável que um semiletrado escreva um artigo cativante ou uma carta pungente a um governante. Em segundo lugar, os alunos são condicionados pelo seu sistema de ensino a acreditar que o culpado pelo insucesso do aluno é ele mesmo. Nessa missão, os seus mestres são extremamente efectivos: em pesquisa recente da Unesco, 82% dos alunos ouvidos dizem que, se o aluno não passa de ano, a culpa é sua, muito mais que da escola (mencionada por apenas 5%) ou dos professores (3,7%). Para piorar o cenário, os próprios pais culpam o filho pelo insucesso na escola: pesquisas conhecidas indicam que a maioria dos pais das escolas públicas e particulares culpam o filho pelo seu insucesso escolar. Cercados por esse mar de desconfiança e assolados pelo próprio desconhecimento, os alunos protestam mais com os pés do que com a cabeça: quando entendem que a escola lhes consome muito tempo sem dar muito em troca, abandonam-na.

O grupo de maiores interessados pela educação é o dos pais dos alunos. Por que razão eles aceitam bovinamente uma péssima educação para os seus filhos? Aqui devemos dividir esse universo em dois: há o grupo de classe média e alta, que coloca os filhos na escola particular, e o restante da população, que usa a escola pública.

Quem coloca os seus filhos em escolas particulares comete um grave equívoco: acredita que essas escolas são muito boas apenas porque são melhores que as escolas públicas. Nalgumas isso pode acontecer, mas assim, despreocupa-se da educação dos filhos e da qualidade da escola pública. O problema é que a escola particular pode ser também má – basta ver os resultados dos alunos de alto nível socioeconómico nos testes internacionais, onde os nossos alunos ricos têm um desempenho pior que o dos alunos mais pobres dos países desenvolvidos. E o segundo problema é que, como a escola pública forma, via de regra, os professores da escola particular, enquanto não melhorarmos todo o sistema, não teremos educação de qualidade para ninguém. Mas os pais de filhos nas escolas particulares não entendem isso; afastam-se da questão educacional por acreditarem que essa problemática não os afecta. Enganam-se.

Esperar-se-ia, porém, que os pais dos alunos da escola pública estivessem profundamente descontentes com a educação dos filhos e bradando por grandes melhorias. Mas não estão: as pesquisas apontam que, pelo contrário, estão razoavelmente satisfeitos com a escola das crianças. Essa visão não é causada por preguiça ou desinteresse, mas por despreparo. Vendo todas as benesses materiais que o filho recebe, associa-as a uma educação de boa qualidade. Reclama só quando o professor falta à aula. Se o pai acha a escola boa e o filho vai mal, então é natural que o pai culpe o filho e exima a escola, perpetuando o sistema de ruim.

Depois dos pais, temos os directores escolares. É provável que a maioria não esteja disposta a encetar grandes revoluções nas suas escolas, que poderiam levar à sua destituição – especialmente se prescrevessem aos seus professores as medidas impopulares que estão associadas a um melhor desempenho académico, como uso constante dos deveres de casa, avaliação de alunos, redução do absenteísmo docente, etc. A maioria dos directores é composta de ex-professores, o que reforça o corporativismo, e não há em Portugal instituições de ensino que preparem uma pessoa para o ofício de director escolar, de forma que mesmo os directores bem-intencionados estão frequentemente pouco preparados.

Vejamos o professor. Por que ele não produz uma educação de melhor qualidade? Em primeiro lugar, porque não consegue e não sabe. Na generalidade, o professor português tem uma péssima formação e não está preparado para encarar uma sala de aula do país real, porque a evolução/degradação sociológica foi mais rápida que a sua formação, especialmente em áreas de vulnerabilidade social. Em segundo lugar, porque é tomado por um viés ideológico que torna o sucesso académico insignificante. Na pesquisa da Unesco, só muito poucos professores indicaram “proporcionar conhecimentos básicos” como uma das finalidades importantes da educação. “Formar cidadãos conscientes” ficou como algumas das preferências. Confrontados com o seu fracasso, então, os nossos professores têm duas respostas-padrão: ou culpam o aluno e os seus pais, ou culpam a visão neoliberal e reducionista de quem forma analfabetos, porque a Educação “é muito mais do que isso”: o Estado.

Finalmente, chegamos à última peça da engrenagem, aquela que é paga e eleita para administrar o sistema e zelar pelo bem comum: os políticos. Se o político for desonesto, a educação será um óptimo lugar para se retirar dinheiro do orçamento: não só lhe atribui uma pequena parte, como ainda é passível de haver transferências. Tem uma grande vantagem: se o governo atribui pouco na área da saúde e faltam remédios ou médicos, a população protesta; se tira nos transportes, os eleitores reclamam; se rouba da educação e os alunos não aprendem, ninguém se importa. Mas, mesmo que o político seja honesto e comprometido com o progresso do seu País, é confrontado com uma decisão indigesta: se ele quiser mesmo reformar o sistema educacional, terá de parar de investir na alimentação ou em novas construções, e passar a investir na formação de directores e professores. Terá de cobrar o seu desempenho, terá de mobilizar pais e alunos, terá de requalificar professores e funcionários incompetentes.

Tudo isso causa desconforto e é impopular. A experiência de estados reformistas na área da Educação, tem gerado como se sabe o descontentamento descambando em greves. Os professores são uma das categorias profissionais mais numerosas e vocais nas suas reclamações. Os beneficiários dessas reformas mal sabem que têm um problema grande entre-mãos e, portanto, não reconhecerão a melhoria. Se tiverem de deixar de trabalhar para cuidar dos filhos sem aulas por causa das greves, perigam ser contrários às reformas. O lógico, nesse caso, para os políticos, é fazer o quê? Exactamente: nada.

Assim vamos ficando com os nossos jovens, ano após ano, mais ignorantes e desprevenidos para a vida.

Por: Carlos Ferreira

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