Entrevistado no cinquentenário da ordenação do cónego José Rosa
“Tenho consciência de que muito há por fazer”
O cónego José Rosa Simão, pároco de Albufeira comemorou o 50º aniversário como sacerdote, na quase totalidade ao serviço da comunidade cristã de Albufeira.
A feliz efeméride ocorreu no dia 14 de Agosto, coincidindo com a festa em honra de Nossa Senhora da Orada. Numa das cerimónias e entre as centenas de fiéis esteve o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva e sua esposa.
Alusiva a esta efeméride os Acólitos Beato Vicente de Albufeira incluiram no seu blogue uma entrevista com o cónego José Rosa que reproduzimos parcialmente.
Acólitos - Que sentimentos experimenta um padre quando atinge cinquenta anos de sacerdócio?
Cón. Rosa - Como podem imaginar, são múltiplos os sentimentos que brotam do mais profundo do meu ser. Perante a infinita bondade do Senhor que me chamou e me conserva no Seu serviço, há cinquenta anos, não obstante as fraquezas e pecados inerentes à minha tão frágil condição humana, que mais poderei fazer que não seja agradecer ao nosso Bom Deus, manifestar-lhe a minha disponibilidade para continuar a servir o Seu Reino, com as limitações que vão sendo cada vez maiores, nesta Sua Igreja ( a Igreja fundada por Jesus e continuada pelos apóstolos) que um dia me encantou e à qual tenho dado o melhor da minha vida? Naturalmente sinto uma grande alegria por ter alcançado esta meta.
Alguma vez teve dúvidas sobre a opção tomada e o caminho a seguir?
Dúvidas, desânimos, tentação de desistir - quem, ao longo da sua vida, não é acometido por essas tentações, sobretudo, quando sobre os seus ombros, recaem responsabilidades tão grandes e tão desgastantes?
Mas há também o outro lado da vida. A certeza de que não estamos sós, de que a obra não é nossa, que o Senhor é quem conduz a barca da nossa vida e da Sua Igreja. O que o Senhor pede a quem se dedica e se consagra à Sua Obra é que, movidos pela Sua graça, nele confiemos e procuremos ser-lhe fiéis, dentro das nossas enormes debilidades.
Preside há 42 anos à paróquia de Albufeira. Que balanço faz do trabalho desenvolvido nesta comunidade? Numa retrospectiva mais detalhada, pensa ter feito tudo quanto alguma vez projectou? Como classificaria a reacção do seu rebanho à sua actividade pastoral?
A minha presença em Albufeira como pároco há cerca de 42 anos, aconteceu exactamente dentro do mesmo espírito de serviço a Deus, à Igreja do Algarve e ao povo desta terra, que desde o início sempre tem feito parte da minha vida.
Em 1968 era superior no Seminário de Faro, onde leccionava e orientava um grupo de rapazes que manifestavam desejo de um dia vir a ser sacerdotes.
Estava lá desde 1962.
Depois da morte do meu antecessor, o Bispo do Algarve, D. Júlio pediu-me que me disponibilizasse para servir a diocese com pároco de Albufeira. Era muito jovem. Sem grande experiência da vida paroquial. Apenas tinha trabalhado em Lagos dois anos como coadjutor. A confiança que o meu Bispo depositava em mim era sinal de que Deus me queria nesta terra. Aceitei o convite e desde esse ano tenho dado o melhor de mim a esta cidade e a quantos o Senhor me vai confiando, em número cada vez maior.
Recordo-me perfeitamente que o dia da minha entrada na paróquia de Albufeira coincidiu com a Festa de Cristo-Rei, 27 de Outubro. Na Eucaristia da tomada de posse da paróquia apresentei à comunidade, como lema da minha acção pastoral em Albufeira, aquela Palavra de Jesus lida na missa desse dia “ Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância “. E na homilia indiquei, a traços largos, aquilo a que propunha dedicar a minha vida no meio deste nosso povo, de gentes tão variadas, já nessa época.
No primeiro contacto com a realidade pastoral, pude ver quase de imediato a débil situação escolar dos jovens, filhos das famílias mais pobres, que gostariam de continuar os estudos para além da 4ª classe e não tinham possibilidades financeiras para prosseguir os seus estudos.
Para eles criei logo em 1969 o ensino particular doméstico, utilizando as salas das igrejas. Largas dezenas de jovens beneficiaram desse nosso esforço. Tive a colaboração de alguns docentes e mantive essa escola durante dez anos. Estava também nas minhas intenções fazer um colégio na Orada, que nunca veio à luz do dia por causa do célebre problema do convento da Orada, que ainda não terminou.
Entretanto, eu e um pequeno grupo de paroquianos, procurámos sensibilizar autoridades locais e do Ministério da Educação Nacional para dotar Albufeira com novas escolas, a preparatória e a secundária. Isso ocupou muito do meu tempo e da minha dedicação. Fui professor na Escola Preparatória D. Martim Fernandes alguns anos. Uma experiência que gostava de poder continuar, mas que deixei em 1979 para me dedicar exclusivamente à Paróquia. Depois foi o Escutismo. A Acção sócio-caritativa. O Movimento dos Cursos de Cristandade.
E particularmente a formação humana e espiritual de crianças, jovens e adultos através das catequeses a todos os níveis, na Paróquia e na Vigararia de Albufeira, de que fui o Animador Pastoral durante muitos anos. Cabe aqui recordar com agrado o bom trabalho e ajuda dos sacerdotes da zona sempre incansáveis na colaboração e animação das nossas actividades pastorais.
A Liturgia e o atendimento ao povo, quanto possível, têm sido igualmente uma tarefa muito gratificante. Albufeira é um mundo. Cresce por todos os lados.
A Vila, outrora, e agora a Cidade, o seu campo, as duas freguesias entretanto saídas da mesma freguesia de Albufeira, Ferreiras e Olhos d Água, os vários sítios da paróquia, os centros de catequese que criámos nesses lugares; os movimentos da paróquia; os novos lugares de culto; as obras de conservação das igrejas; a sua adaptação às novas orientações da liturgia e à cultura...foram, ao longo destes anos, acções e preocupações que preencheram muito do meu tempo e da minha actividade paroquial.
Criou-se um Centro Pastoral na Orada para incremento da espiritualidade dos agentes pastorais da paróquia e apoio social sobretudo em colónias de férias de jovens, particularmente dos mais carenciados.
Nem tudo correu, como era meu desejo. A consciência, porém, diz-me que nunca fui preguiçoso e que tenho procurado servir a paróquia, que me foi confiada, o melhor que posso e sei.
Muitas pessoas da comunidade têm participado, ao longo de todos estes anos, nas actividades e realizações paroquiais, por nós levadas a efeito. A todos estou imensamente agradecido. O seu apreço e dedicação têm-me ajudado imenso.
Quanto a projectos de acção pastoral direi apenas que procuro pôr em prática os planos pastorais indicados pela Diocese, aplicando-os à realidade da paróquia.
Tenho consciência de que muito há para fazer. E para renovar. Mas é o Espírito que vai renovando a face da terra. Ao padre é-lhe pedido que seja homem, homem de fé e humildade, atento e actualizado, disponível para o serviço do Reino. Esse é o seu caminho de santidade. E não apenas homem de muitas acções. Estou a tentar seguir por este caminho.
Portugal e o mundo passaram, ao longo deste meio século, por mutações profundas, diria mesmo: grandes clivagens. Acha que a Igreja tem sempre estado à altura dos desafios dos tempos que atravessa?
Olhando para a Igreja presente no mundo nestes últimos cinquenta anos, penso que foi superiormente beneficiada com o exemplo e o trabalho incansável de Papas como João XXIII, Paulo VI, João Paulo II e agora Bento XVI. A Igreja está atenta ao mundo e quer prestar-lhe um serviço de alto valor, legado por Jesus Cristo. O Concílio Vaticano II, as encíclicas papais, iluminadoras e orientadoras da acção pastoral da Igreja, o esforço das dioceses, do seu clero e leigos, ao serviço do mundo, da paz, do progresso, da justiça, numa palavra, ao serviço do Evangelho de Jesus, isto é, ao serviço da pessoa humana, tudo isso tem constituído um forte contributo da Igreja para o bem da humanidade. Evidentemente que a praxis das pessoas da Igreja está sujeita ao erro e ao pecado, à infidelidade e à não caridade. A sua adaptação é por vezes lenta demais. A todos se pede que estejamos atentos aos apelos do mundo e às necessidades dos homens, numa perspectiva de justiça e de paz, segundo o Evangelho.
Das encíclicas mais marcantes desde Pio XII, qual a que maior influência exerceu sobre si? De que modo a levou à prática? Algum papa o marcou de forma particular? Como?
Não tenho um papa preferido. Todos eles têm sido, desde Pio XII, homens de grande craveira intelectual e de santidade pessoal em alto grau. Atentos aos problemas do mundo. Sofrendo com os males do mundo. Inspirando e sugerindo caminhos de progresso humano e espiritual, de amor e de paz. Não fazem nem dizem aquilo que o mundo quer. Mas procuram ser fiéis ao Evangelho de Jesus e à pessoa humana, que é imagem do Criador. Oxalá fossem mais ouvidos e seguidos, a começar pelas pessoas da Igreja...
Em termos de futuro, que projectos alimenta e pensa ainda poder realizar?
Gostaria de ter mais disponibilidade para as pessoas que me estão confiadas. Neste ponto tenho grandes lacunas. O pastor é para o povo. Para estar com o povo. Escutar e viver com o povo e no meio do povo.
Particularmente os mais frágeis. Gostaria de ainda poder ver nascer uma nova paróquia em Olhos d’Água e, quanto possível, também na zona de Montechoro, que assim serviria toda a zona nova da cidade. Para já espero ver construído em breve o novo Centro Pastoral de Montechoro na Correeira, para apoio às catequeses, aos jovens e à comunidade local. E que a nossa Diocese possa responder ao pedido que lhe tem sido feito em várias ocasiões de dotar Albufeira com uma pequena equipa sacerdotal ou ao menos com outro sacerdote.
Para isso já temos casa, o Centro Paroquial de Albufeira, construído no terreno que o Padre Semedo legou à sua e nossa Paróquia.
Que conselhos daria hoje aos jovens que se sentem de algum modo interpelados por Cristo?
Que os jovens a quem o Senhor interpela não tenham medo de O servir com generosidade e muito amor. Que procurem construir a sua vida, assente nos valores perenes do Evangelho, quer seja na vida de família ou de consagração ou simplesmente como homens e mulheres cristãos no meio de mundo ávido de sinais positivos de uma verdadeira fé cristã.
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