Edição de 12-03-2009
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Arquivo: Edição de 26-02-2009

SECÇÃO: Opinião

Como administrar crises?

Será que a crise, que já é um tsunami, nos vai transformar em gente mais racional, mais sensata? Mais humildes os poderosos, mais confortados os despossuídos, porque nos aproximaremos entre todos na aflição?

“A crise” está a ser uma desculpa para muita loucura, nossa e das empresas a quem os nossos líderes quase tudo permitem. Afinal, como se administram crises? Crises administram-se ou sofrem-se... Ou simplesmente acontecem e nós rolamos armados em balõezinhos soltos pelo mar? O que fazer com as crises pessoais e financeiras? As da vida pessoal podem ser mortais, mas quase sempre encontramos um caminho, uma solução, no que depende exclusivamente de nós. As económicas regionais, nacionais ou, pior, mundiais, como a actual, são-nos alheias. A parte mínima que cabe a cada um de nós é apertar o cinto – como em Portugal se vem a fazer há quase vinte anos -, e rezar (para os crentes), ou torcer para que os políticos responsáveis não façam disparates demais.Houve tempos em que as reuniões dos grandes deste Mundo em Davos era algo solene e definitivo. Transmitiam confiança. Hoje interrogo-me: falariam verdade? Agora, os grandes saem de lá dizendo que estão confusos, como aconteceu ainda não há um mês. E nós, como ficamos? Os líderes perplexos, e nós, mortais comuns, quais formiguinhas no campo de batalha dos grandes, nós que vivemos do ordenado mínimo e pagamos a conta com impostos, ficamos encolhidos diante da onda de desastres nascidos da trágica irresponsabilidade da economia mundial, que não dependeu de nós.

Dá-me uma angustia enorme ver diariamente os desempregados. Publicam-se todos dias números mascarados, porque sabemos que são muito maiores e mais dramáticos do que aparecem. Um operário de uns 40 anos, casado, cinco filhos, relata que depois do pequeno almoço recebeu uma cartinha: demitido. “O que vou fazer agora?”, indagou com lágrimas nos olhos. Na Europa e nos Estados Unidos, mas também no Japão e na China, os números do desemprego e da desaceleração económica são espantosos, e todos indagam: “Mas afinal, o que aconteceu, e agora?”. É que grande parte da população ainda não conseguiu compreender o que se passa. Só conhece um nome: Crise. O subsídio do desemprego não é grande coisa nem será permanente. A crise, se tirarmos a cínica máscara do optimismo, que aliás está a cair por quase toda parte, deverá durar vários anos. Depois dela, o que virá? Quanto tempo falta até levarmos uma vida menos aflitiva? Como poderá continuar a viver a geração de 50 o resto dos seus dias? Ou os desprotegidos, novos e velhos, ficarão a comer, como já se fez no Portugal dos anos 30, há tantas décadas atrás, farinha com água e, com sorte, um pouco de sal? Ou uma sardinha dividida para dois?

Um fantasma intrometido espia sobre o meu ombro: “Mas que artigo mais negativo! Os jornalistas devem dar esperança aos leitores”. Não, não penso assim. Os jornalistas falam por todos os que não têm acesso nem voz. Porquê tratar então os leitores como idiotas? O que escutamos sobre a crise é tão contraditório que daria para encher muitos consultórios de psicólogos e clínicas de psiquiatria: “Gastem tranquilamente, comprem, isto não é nada, resolve-se depressa. O Estado empresta. Ou... Não gastem, tomem cuidado, o apocalipse está a chegar. Os governos estão a controlar os gastos. Os governos estão aumentar os gastos. Os governos estão com projectos para abrir milhares de vagas de trabalho; os governos não têm dinheiro para pesquisa, cultura, educação. Os governos sabem tudo, os governos não sabem nada”. E nós, baldeados de mão em mão ou de conselho em conselho, de uma explicação a outra, em quem devemos acreditar? Talvez só no próprio bolso. Ou no vizinho que foi demitido. No amigo, que está desempregado, na vizinha que tem a despensa vazia. Nos assaltos que aumentam todos os dias, nos pedintes que se multiplicam a olhos vistos. E se o mundo inteiro, unido, não tomar providências eles serão multidões em breve, e nós estaremos entre eles. Dificilmente haverá união entre os países: querem-se pisar uns aos outros, se possível matarem-se mutuamente.

Os países continuam em guerras sucessivas, delapidando e destruindo património, bens e economia, gastando o que têm e o que os outros são obrigados a dispor, intervindo por questões estratégicas. Face às guerras e conflitos travados nas últimas décadas (recordo Portugal com as colónias ultramarinas) o fosso económico é cada vez maior com o dinheiro queimado em explosões que dilaceraram milhões de famílias. Será que a crise, que já é um tsunami, nos vai transformar em gente mais racional, mais sensata? Mais humildes os poderosos, mais confortados os despossuídos, porque nos aproximaremos entre todos na aflição. Será?

Na década dos anos 90, a primeira vez que contactei com um imigrante vindo do norte da Europa a pretexto de fazer uns arranjos de obras, ele espantou-se quando, ao executar o seu trabalho, o convidei a almoçar em minha casa, classe media remediada: “Um bife inteiro para cada pessoa? Bifes desse tamanho? Toda a gente a poder repetir?”. Quase só faltou ao final do dia de trabalho vasculhar o nosso balde do lixo, para dizer que no então ex-poderoso Leste Europeu muita gente poderia comer dali. Isso impressionou-me imenso, e nunca me esqueci. Em pleno final do século XX havia milhões de pessoas a passar mal. Não pedi aos meus familiares para começarem a fazer dieta, mas passei a ser ainda mais severo quanto ao desperdício dos bens alimentares. Desde aí, se podia comer três peças de fruta, passei para duas. Se pensava comprar dois pares de jeans, comprava um. Fiquei mais cauteloso, talvez até assustado com a insegurança com que viviam outros seres humanos a meia dúzia de milhares de quilómetros numa Europa já então globalizada. Poucos anos depois, essa “crise” bateria à nossa porta.

Que os deuses da paz e da guerra, da riqueza e da miséria, da fome e da abundância, da ganância e da decência façam os seus congressos celestiais e nos deem uma mãozinha por aqui.

info2020@m,ail.telepac.pt

Por: Carlos Ferreira

Tempo de leitura: 5 m
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Comentários dos nossos leitores
Mario e Florbela [email protected]
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Gosto muito dos artigos deste jornalista, que embora não conheça gostaria de lhe dirigir os parabéns pela acutilância dos seus artigos.
 

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