Assine o nosso jornal
Edição de 12-03-2009
Última Hora | Subscrever RSS RSS | Classificados | Inquéritos | Agenda | Fórum | Futebol | Tempo | Farmácias | Publicidade | Assinaturas | Contactos | Ficha Técnica
Edição Actual | 1ª Página | Opinião | Correio | Política | Albufeira | Regional | Sociedade | Cultura | Desporto | Galeria | Num Só Clique | Arquivo

Arquivo: Edição de 19-02-2009

SECÇÃO: Opinião

O medo que as mulheres inspiram

Resta a consolação de saber que, a pouco e pouco, algumas já deixaram há muito de ser marionetas nas mão dos ilusionistas do poder. Melhor, vai acabando o tempo das barbies, a “mulher objecto”.

Escrever sobre homens e o poder na política seria de um óbvio ululante. O poder transforma, e nem sempre para melhor. É preciso saber lidar com ele, para que não os deforme. Tenho conhecimento factual disso ao longo das várias experiências e conhecimento que travei durante a minha vida. Jovens padronizados que eram crescidinhos quando eu já era homem feito, são hoje homens de poder quando eu estou a ficar no decanto. Conheci alguns. Por isso, o tema sobre como as mulheres exercem cargos de poder fascina-me, e a pergunta tem para mim várias respostas. Até já fiz um teste, e classifiquei: desde as que “estão simplesmente maravilhosas no poder”, às que “estão poderosas e actuantes”, até outras que “andam muito loucas, serviçais e mandonas demais”.

Embora muitos as queiram “rotular” de adjectivos ora elogiosos, ora decepcionantes, consoante o quadrante dos seus interesses, as mulheres são gente normal tal e qual os homens. Seres humanos, complexos e desvalidos como todos. A vida é que se complicou muito desde que as mulheres (tão poucas, ainda!) começaram a assumir algum poder na sociedade. Que ajudaram a mudar. A velocidade vertiginosa com que as mudanças sociais acontecem hoje é perturbadora (para eles) e, embora os nossos avós também dissessem “Meu Deus! Como este ano passou depressa!”, hoje a nossa vida transforma-se em mera correria se a gente não cuidar de gerir bem os espaços. Tudo é para agora, tudo é imediato, e tudo é aqui e rapido. Alcochete, Gaza e Washington acontecem durante o nosso pequeno-almoço.

Com o poder acontece o mesmo que ocorre com o tempo: ou o transformamos no nosso animal de estimação ou ele nos devora. Com um bicho de estimação a gente aceita-o, brinca com ele, gosta e adapta-se a certas coisas, não o ignora nem o deita fora. Mas, se o maltratamos, se o detestamos, ele cresce, fica uma fera e morde-nos. Já com as mulheres no poder, que são ainda quase uma novidade, o “tempo” é outro, e é sobre isso que me interessa reflectir aqui. Não há ainda muito tempo que elas começaram a assumir funções de ministra, presidente de Câmara, governadora, cientista, motorista de táxi e autocarros, reitora, e tantas outras. Quase sempre com inegável sucesso. Não foram preparadas nem educadas para enfrentar esse amigo/inimigo, o poder. E sendo pioneiras, e sem modelos a seguir, a quem deveríam recorrer, em quem se inspirar à frente do país, da câmara, do ministério, dos empregados do escritório, dos colegas lidando com grandes máquinas agrícolas ou à frente dos sindicatos? Restava-lhes a imagem dos homens.

Algumas ainda pensaram em igualar-se a eles, com jeitos e trejeitos de capataz furioso, isto é, acabando por serem caricaturas de homens poderosos. Pior que eles, por estarem inseguras, ficando prepotentes. Outras tentaram disfarçar esse poder com exageros de sedução: muitas foram educadas para agradar, não para mandar, e o espectro da mulher sozinha existe. De um homem sozinho, diz-se que ele “aproveita a vida”, mas de uma mulher sozinha eventualmente comenta-se: “Coitada, ninguém a quis”. E não adianta reclamar: essa ainda é uma realidade estúpida, um preconceito idiota existente. Com todo esse dilema, corre-se em busca de um “jeito feminino de exercer o poder”. Isso existe? Tem de ser inventado? E o que será, afinal: um estilo delicado, doce ou cor-de-rosa? Que os deuses as livrem disso. Talvez seja apenas um jeito humano, pois é o que todas são: cheias de fragilidade mas também de força, de qualidades e defeitos, todas em última análise com medo de não serem bem entendidas e aceites. Basta recordar aquela experiência, de um jovem e iniciado professor, que tinha tanto pavor de não ser respeitado pelos alunos que abusava das punições, notas baixas, gritos e até murros na mesa, que provocavam, estes sim, riso nos adolescentes.

Na minha opinião, o trunfo delas mais positivo pode ser o facto das mulheres, sobre as quais aqui especialmente escrevo pela admiração que muitas me merecem, tentarem ser naturais e humanas, coisa que só uma minoria relativa dos homens consegue. Nem ir ao posto de comando vestidas de freira ou militar, cheias de convencionalismos, ar gélido e voz de metal, nem sedutoras por medo de perder a feminilidade (seja lá o que pensam que isso é). Serem apenas uma pessoa a quem o poder foi dado pela sorte democrática, pelo destino, pelo mérito (o melhor de todos), por algum concurso, enfim, pelos caminhos da profissão, e que tentam fazer isso da melhor forma possível, por vezes com alguma sensibilidade que nos homens seria classificado de “desvio processual”.

Para se exercer o poder não é preciso nem beleza nem feiura, nem coisa alguma além de preparação e capacidade, humanidade, ética, honradez, informação, entendimento do outro, respeito pelo outro para que ele também as respeite e, sobretudo sensibilidade. Particularmente na política, as mulheres demonstram, entre outros factores dificilmente usados pelos homens, uma maior personalidade na capacidade de entendimento e negociação. Para os homens e as mulheres o comando é difícil, é solitário, mas elas conseguem armazenar em si certos anti-corpos que eles desprezam. E, acreditem, exige-se-lhes cuidado: porque, se as pode ajudar, também as pode contaminar. Com o vírus do machismo – versus - feminismo.

Nada melhor então do que agir com simplicidade, lucidez e alguma bem-humorada autocrítica, em qualquer posto e em qualquer circunstância desta nossa vida. E isso, elas conseguem muito melhor e mais facilmente que eles. Não é por acaso que em Portugal “eles” quando detêm o poder têm medo delas, e continuam a controlar os seus movimentos, não lhes dando espaço com facilidade e acesso ao mando. A não ser que tenham de parecer que acompanham a modernidade dos tempos, disfarçando o tema por “quotas”, ou quando os seus superiores interesses lhes ditam precisar do “reflexo” delas.

Resta a certeza de saber que, a pouco e pouco, algumas já deixaram há muito de ser marionetas nas mãos dos ilusionistas do poder. Porque vai acabando o tempo das barbies, a “mulher objecto”.

Por: Carlos Ferreira

Tempo de leitura: 5 m
Imprimir Artigo
Enviar por Email
Comentário Privado
Comentário Publico
Adicionar Favoritos

Votar:
Resultado:
6 Votos
Última Hora | RSS | Classificados | Inquéritos | Agenda | Fórum | Futebol | Tempo | Farmácias | Publicidade | Assinaturas | Contactos | Ficha Técnica
© 2007 Jornal a Avezinha | Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital. Comentários sobre o site: .